1.2.09

Eremita: Refúgio

Aqui está a continuação, o segundo capítulo, do texto Eremita. Não será o último. Escrevi ontem, juntamente com outro texto que vou publicar a seguir.



   Numa calma intensa, atravessou-o a brisa, limpando aquelas farpas emocionais que lhe estavam espetadas na pele. O seu sono era mais sossegado. Sentia-se limpo, livre daquelas inúteis e irritantes emoções. Este banho mental que tomara no oásis da Humanidade refrescava-lhe a cabeça, esclarecia-lhe o pensamento. Estava ausente do seu passado, presente e futuro. Fora do eu moderno. Fugitivo das circunstâncias que haviam tornado a sua vida num objecto comercial. Agora respirava livremente. Despachado das mucosidades que o entupiam.
   Acordou. Sentiu um frio ligeiro, daqueles que dão gozo ao acariciar a nossa pele. Os olhos abriram-se, sem sono. O Sol erguia-se por cima do horizonte, convidando-o a levantar-se e recomeçar o dia anterior. Recomeçar – não reviver –, dar um novo sentido, dentro do seu caminho em direcção ao final, apanhando pelo caminho, nas árvores que acompanhavam a estrada, o fruto da felicidade, em cada acção que enchesse o copo.
  Sem mais hesitação, entregou-se ao dia. Várias ideias puseram-se em fila. Olhou para a janela, deixou-se inundar pela paisagem vazia. A isolação saudável. Longe da violação psicológica da autoridade ou das preocupações interessadas e superficiais dos supostos irmãos. Os olhos arregalaram-se, calmos e apaixonados. E, antes de qualquer coisa, decidiu pintar. Antes de qualquer necessidade biológica. Procurou uma tela, tintas acrílicas e os pincéis que se adequavam ao que inspirara a sua mente. O transe começara. Não sairia dali até a fome ou a bexiga apertarem.
   Do pincel despertou uma linha, de cor verde clara. Cresceu até se transformar num horizonte. Depois, uma planície interminável. O céu brilhava. Um cavalo galopava com força e leveza. Era de um ruço quase branco, de crinas cinzentas como a memória do seu dono. Parecia ter um brilho inerente. Um vermelho escondido, de paixão.
   Estava simples. Terminou rapidamente. Agora podia dedicar-se ao seu próprio corpo. Sentia-se completo. Não necessitava de mais nada para além do que ali tinha. Longe dos momentos irritados, tristes, de preocupações mundanas. Soberbo e humilde. Saudades guardava apenas uma. Agora guardava-se para o amor que sentia à arte e ao seu único companheiro. Este vivia perto dele, livre, nos campos circundantes, ilustrando a liberdade esboçada pelo amigo humano. Desde cedo que esta paixão estava incrustada no coração do eremita. Foi um dos convites à sua situação. Uma das mais importantes ligações com a Natureza. A mais intensa, apaixonada, ardente. Tornava a liberdade numa emoção. Uma refeição do sentimento que construíra com o cavalo.
   Abriu a porta com ânsia de sentir o ar fresco do vale isolado, desejoso apenas de se juntar ao companheiro.

1 comentário:

Anónimo disse...

ganda escrita flip. :)

escreves bem :D

btw a minha verificação de palavras é: tácrú
xD