19.3.10

repetição inexistente que ecoa no espaço vazio de uma dor de cabeça estendida até ao infinito


fui com ninguéns e sombras a um café que nunca existiu e encontrei-te lá, apenas para fingir que também não existias. atacas e massacras, vestida de um azul sacro. como te atreves a existir em mim? (lá fora os violinos esperneiam num baile expressionista pavimentado de sangue e elefantes batalham girafas conduzidas pelo choro) o teu beijo, mordaz, fatal e delicioso (e inexistente), conjuga-se em sílabas que não são pronunciáveis (juntaram-se de forma tão engenhosa e complexa que ninguém as consegue ler).
num instante, todos os vultos desapareceram e a corrida começou. aquelas formas azuis perseguem-se e entrelaçam-se no infinito da inexistência, prendendo os cabelos loiros aos dedos incrédulos, as unhas deixam marcas num pescoço geometricamente perfeito e os lábios trincam-se como confissões desesperadas. as veias que, salientes da pele, parecem querer entranhar-se no corpo alheio, clamando o seu desejo, corroídas pela fervura do sangue.
tornou-se num movimento perpétuo e cíclico, um sofrimento que dilacera a alma (desconhecendo o uso dos cortes limpos, rasga-a com todo o vermelho do sangue numa só pincelada) e que alimenta a inexistência. a corrida não parava - os olhares vociferavam de paixão.
tremo. tremo, ainda que nada exista. tremo, desconhecendo que cada palavra e cada toque não existem e desconhecendo que não os quero. sou o meu ódio e sou o meu odiado. vejo as figuras que correm azuis pelo infinito dos seus nadas. e, cegos de desejo, não vemos que pisamos um chão feito de pianos mortos. o suor escorre enquanto estou ajoelhado perante a tua figura, a ouvir-te falar e destruir passados e futuros – que sinfonia sexual. num momento olho o teu perfil distante e afrodisíaco, ornado de cristais azuis e tristezas infinitas (nada existe. nada.); no outro sugo-te a boca como se a inexistência disso dependesse, cerebralmente desligado de qualquer realidade que nos pudesse envolver. perfuraste-me como agulhas enterradas num olho, derramámos o sangue para a alma um do outro, esquecemos e repetimos, e mãos deslizaram e subiram pela respiração dos nossos corpos infinitos.
aquele olhar. porque me olhaste assim (apenas com metade da íris visível perante o meu ângulo de visão, como faz a única pessoa que existe)? porque me mataste de forma tão sensual e sussurrante? porque tentaste existir em mim? cortas as minhas perguntas, arrancando um novo beijo, puxando os meus lábios contra os teus, definindo a inevitabilidade e a omnipotência.
oiço outra voz. inexistência, inexistência, inexistência. a tua forma (não, não existes) desvanece morbidamente, enquanto mordes o lábio. ou será que não? a merda, nisto tudo, é que ages como se existisses. oiço a outra voz. desapareceste totalmente e os violinos pararam abruptamente, morrendo de forma estridente.



“porque estaremos sempre longe, mas longe rapidamente fica perto e perto rapidamente passa por nós.”
Foge Foge Bandido

3 comentários:

x disse...

gosto da foto, leio depois. *

x disse...

tem coisas muito boas, tem coisas muito más (forçadas, portanto).

mau é sentirmo-nos assim.

Há quem diga que sou a Maria disse...

Uma palavra: LINDO