26.1.09

Eremita

   Sob o horizonte, apenas verde. Vários tons de verde. Como o sol brilhava, esclarecia-se a paisagem. Algumas árvores espalhavam-se. O céu era pobre em nuvens, naquele dia, o que lhe dava um aspecto rico, saudável, alegre. Uma paisagem vazia, calma, longe de tudo. Inalcançável. O desejo de todos aqueles que procuram desintegrar todo o lixo, tudo aquilo que é desnecessário e humano, que lhes chamusca a mente. Queimando lentamente, neurónio por neurónio, paciência por paciência, cada grão de sanidade. Algo tão ridiculamente desnecessário. Algo tão incrustado nos nossos dias que nem nos apercebemos da sua diabólica presença. Demasiado humano. Demasiado triste. Demasiado cinzento. Demasiada poluição mental. Demasiada destruição. Uma praga ímpar sem adversário.
   Havia chegado lá há pouco tempo. Há tão pouco tempo que não se apercebera de que já lá estava há muito tempo. O calendário já se tinha transformado em cinzas na fogueira que o aquece. A casa era pequena, o suficiente para viver. Nada de extravagante, nada demasiado inútil, nada demasiado humano. Pedra e madeira. Os requintados mármores e metais seriam um pecado. Um pecado desnecessário. Esta inovação ia contra aquilo que até ali chegar lhe tinham dito. Uma mansão. Um rio áureo. Sexo vazio. Todas as futilidades que uma sociedade humana pode oferecer. Mas porquê? Para quê? Tinha ultrapassado todas as superficialidades do mundo do consumismo. O mundo artificial. Deixara de ser um andróide concebido para alimentar as tretas mais profundamente enterradas na mentalidade conformista do rebanho.
   Estava só de humanos. Possuía apenas alguns livros para ler, desenhar e escrever. Telas para pintar. Instrumentos musicais. Uns arreios do lado de fora da casa, sempre cobertos. Era tudo simples, de ar antigo e ao mesmo tempo novo. Ao redor, estendido em todas as direcções, um imenso campo. Uma beleza pessoal. Uma beleza encontrada por si. Uma beleza criada por si. Não aquela que lhe tinham dito que deveria venerar. A sua mente… vazia. Limpa. Feliz. Isolada. Livre.

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