Encontrava-se só, à beira do riacho. Chutou, zangado, uma pequena pedra na direcção da água, que saltitou por alguns metros, até se afundar. Sentou-se e levou as mãos à cara. Uma cara que não era bela. Uma cara que também não repugnava. Mas que, ao mesmo tempo, não nos suscitasse indiferença. Era apenas diferente. A expressão, agora, era de angústia, de irritação, mas ao mesmo tempo transparecia uma paixão. Uma profusão louca de emoções e sentimentos castigava-o.
Ouviu à sua volta o som do vento nas árvores, a luz do dia a esgueirar-se por entre o verde esclarecido das folhas, que se espalhavam abundantemente por cima dele. Juntavam-se, por vezes, o chilrear de pássaros que ali habitavam ou visitavam, uns abrigados e outros esvoaçando. Sempre presente, soando qual música de ambiente, calma e serpenteante, corria a água do riacho. Vagueava lentamente, límpida, transparente, viva. Tudo estava sereno. Os animais embalavam-se com a música da Natureza, invisíveis ao olhar do humano que contemplava, sentado onde terra e água se tocavam.
Fechava os seus punhos e tentava enterrá-los no solo, premindo os seus dedos contra as pedras. A dor não o incomodava. Dava-lhe um prazer vermelho. Um prazer que parecia um formigueiro ardente. Cada vez com mais força, premia contra o chão de calhaus. A água chegou-se-lhe, e com ela um frio suave. Fraquejou, finalmente, retirando os punhos do solo. Estavam com marcas algo profundas. Não fez feridas, nenhuma das pedras era pontiaguda, todas tinham sido moldadas pela força hídrica da Natureza. Sentia dor. Mas era uma dor efémera, apenas para o distrair da verdadeira dor. E esta voltou a trovejar na sua cabeça, ecoando tenebrosamente. Voltou a sibilar aquela vozinha. Voltou a gritar aquela complicação.
“Porque tem tudo de ser tão difícil?” perguntou-se, sentindo-se um adolescente que acaba de descobrir certo obstáculo novo na vida.
À sua volta, toda a Natureza fluía entre si. Sempre calma. Com a mesma serenidade desde que ali tinha chegado. Sentia-se cansado. Levantou-se e recuou uns metros até encontrar vegetação. Ali deixou cair os seus membros dormentes, deixou escapar a sua fantasia para os céus, deixou as suas preocupações anestesiadas e abraçou a Natureza, por fim.
Um canto emergiu. Primeiro lento, crescente… Cada vez mais alto e estridente. Relaxava-o. Parecia que lhe arrancava todas as preocupações. Convidava-o a fugir do mundo. Desejava que aquele momento se sustivesse na perenidade. Parecia uma explosão de todas as cores. Uma resposta. Não lhe interessava nada para além daquele belo som. Parecia negro, depois amarelo, prateado, verde, passava por todas as cores, toda a imaginação. No vácuo passaram todos os sabores.
Acordou. Não entendia muito bem o que se tinha passado. Não sabia se tinha sequer acontecido.
Apressou-se a levantar. Correu dali. Desapareceu. E sem perceber nada, recomeçou a vida.
6.11.08
O Nascer Da Arte
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